Histórias de fantasma – Um passeio por um Japão assombrado – Parte 1

A Terra do Sol Nascente possui uma mitologia extremamente rica e curiosa, com um catálogo gigantesco de deuses, demônios, monstros e, claro, fantasmas. As histórias de fantasmas do Japão não serviam unicamente como entretenimento em frente de fogueiras para viajantes cansados, elas também são um sinal da veneração à ancestralidade tão presente na cultura japonesa.

Durante muito tempo, acreditou-se que aqueles que morriam e não recebiam as devidas homenagens de seus entes queridos se tornaram espíritos famintos, eternamente com fome, atormentando os vivos e trazendo-os azar. Contudo, ao mesmo tempo, as almas dos antepassados também poderiam prover proteção e fortuna.

A figura do fantasma está presente desde dos povos Ainu, que consideram os espíritos uma manifestação do lado mau da pessoa, até as religiões Shinto e Budista, que, por sua vez, importaram e assimilaram no País do Sol Nascente algumas lendas originárias da China.

Por conta disso, separamos alguns desses mitos que mostram um pouco do lado assombrado do arquipélago nipônico:

Hoich, o sem orelha

Tipo de fantasma: Onibi Segundo as lendas, são bolas de fogo flutuantes, geralmente azuis, que surgem dos corpos de homens ou animais mortos. São produzidos pelo profundo remorso ou malícia de uma pessoa  para com outra.

Mais de oitocentos anos atrás, no estreito de Shimonoseki, ocorreu a última batalha entre os clãs Heike e Genji. Lá, os Heike pereceram com suas mulheres e crianças, assim como o imperador infante conhecido como Antoku Tenno. Desde então, aquela costa tem sido considerada assombrada.

Naquela região, inclusive, costuma aparecer um tipo muito estranho de caranguejo. Essa espécie tem nas costas algo que se assemelha a um rosto humano, e é dito que esses seriam as faces dos guerreiros que morreram na batalha de Dan no Ura.

Heikegani: The Crab With A Human Face | Amusing Planet

Contudo, essa não é a única coisa estranha da região. Nas noites escuras, milhares de luzes de fogo flutuam sobre a praia e as ondas. Luzes pálidas, conhecidas pelos pescadores da região como Oni-Bi, e quando os ventos estão bravos, os gritos de batalha são ouvidos vindos mar.

Como as águas por lá eram ferozes, foi ordenada a construção do templo de Amidaji para socorrer os náufragos dos navios que frequentemente encontravam seu fim naquelas águas, assim como um cemitério próximo a praia. Também foi erguido um monumento com nomes do imperador e de seus vassalos que morreram afogados, onde cerimônias budistas eram constantemente realizadas. 

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Alguns séculos depois, vivia em Amidaji um Homem cego chamado Hoich, conhecido por sua habilidade em tocar a Biwa. Desde criança, ele fora treinado para recitar e tocar. Ainda  mancebo superou seus professores. Já na idade adulta, ele ficou famoso pelas suas declamações da história de Heike e Genji. Relatos contam que, quando ele cantava sobre a batalha Dan-no-ura, até os demônios Kijin choravam.

No começa de sua carreira, Hoich era muito pobre, mas ele encontrou um bom amigo para ajudá-lo. O sacerdote do templo era afeiçoado a poesia e música e frequentemente convidada o artista para o templo. Impressionado pela habilidade do músico, o sacerdote propôs que Hoich fizesse de Amidaji sua casa — proposta que o músico aceitou prontamente.

Em uma noite de verão, o sacerdote fora chamado para performar um ritual budista na casa de um paroquiano morto. Ele foi até seu acólito, deixando Hoich sozinho no templo. O homem cego então decidiu tomar um ar na varanda antes de dormir. O tempo passou e o sacerdote não retornou.

Por volta da meia noite, Hoichi ouviu passos se aproximando do portão. Alguém cruzou o jardim e avançou até a varanda. Não era o sacerdote, como inicialmente o músico imaginara: uma voz profunda chamou pelo seu nome, sem cerimônias, do jeito que um samurai chamaria seu inferior. 

— HOICHI! — disse a voz. 

— HAI! — Respondeu o homem cego, assustado pelo tom de ameaça. 

Eu sou um homem cego , não posso saber quem chama — justificou-se o músico.

Não há nada a temer. Eu fui mandado aqui com uma mensagem. Meu lorde está hospedado em Akamagaseki, com seus súditos. Ele desejava ver o local da batalha de Dan-no-ura e hoje ele visitou aquela terra. Tendo ouvido de sua habilidade em recitar a história da batalha, ele agora deseja ouvir sua performance. Então, pegue sua Biwa e venha comigo.

E assim fez o músico. Hoichi e o samurai foram até um largo portal. O homem cego pensou consigo mesmo o porquê de não se lembrar de nenhum portal desse tipo por aquelas bandas. Eles atravessaram o espaço de um jardim, subiram vários degraus e andaram por um interminável caminho de assoalho polido.

Após toda jornada, o poeta foi colocado de joelhos em uma almofada. Em seguida, ouviu a voz de uma mulher falando com ele:

Agora é requerido que a história de Heike seja recitada, acompanhada pelo som da Biwa.

Ora, o recital inteiro necessitaria muitas noites, então Hoichi fez a seguinte pergunta:

Como a história não é contada rápido, qual parte dela mais desejada que eu recite agora?

A voz da mulher respondeu:

Recite a história da batalha no Dan-no-ura.

Hoichi então levantou sua voz, entoando a canção da luta no mar amargo, maravilhosamente fazendo sua biwa soar como os remos dos navios e o zunido das flechas, os gritos dos homens pisoteados, o choque do aço sobre os elmos e o afogamento assassino da enchente.

E assim se seguiu para uma plateia, maravilhada, até que a música chegou no destino do justos e desamparados, a lamentável morte mulheres e crianças, e o salto para morte de Nii-no-Ama, com o imperador infante em seus braços. Todos os ouvintes ali choraram de angústia de forma tão intensa e alta que o homem cego ficou assustado com a violência do luto que ele provocou.

Quando os lamentos diminuíram, Hoichi ouviu o chamado da mulher.

Embora já nos fosse assegurado que você era habilidoso com a Biwa e sem um igual no recitativo, não sabíamos que alguém poderia ser tão habilidoso como você provou essa noite. Nossa lorde está satisfeito de dizer que ele quer conceder-lhe uma recompensa adequada, mas ele deseja que você se apresente para ele toda noite pelas próximas seis noites.

Hoichi então retornou ao templo pela manhã, mas sua ausência não foi notada. Tão pouco o músico disse uma palavra sobre sua aventura noturna para o sacerdote. Na noite seguinte, o mesmo samurai retornou e, assim como na primeira vez, o poeta o acompanhou. Durante a segunda visita, sua ausência foi notada e, após seu retorno, o homem cego teve sua presença convocada pelo sacerdote.

Nós ficamos preocupados, amigo Hoichi. Sair, cego e sozinho, tão tarde da noite, é perigoso. O que não está nos contando?

— Perdoe-me, meu gentil amigo! Eu tive que atender a um assunto privado e não consegui fazê-lo em nenhuma outra hora.

O sacerdote estava surpreso por Hoichi ser tão evasivo. Ele sentiu uma presença não-natural e suspeitou de algo errado. Temeu que o cego estivesse enfeitiçado ou iludido por algum espírito maligno. Ele não fez mais perguntas, mas instruiu os servos do templo para observarem Hoichi e o seguirem quando ele sair do templo.

Na noite seguinte, quando Hoichi iniciou sua jornada noturna, os servos imediatamente o seguiram. Entretanto, como era uma noite chuvosa e muito escura, antes que os servos do templo pudessem chegar à estrada, Hoichi desapareceu. Ele tinha andado muito rápido, algo incomum para um homem cego.

Os servos do templo ainda tentaram procurá-lo, mas nenhum aldeão sabia dele. Enfim se dando por vencidos, decidiram retornar ao templo pelo caminho do porto. Foi aí que todos se assustaram ao ouvir o som de uma Biwa, tocada furiosamente no cemitério de Amidaji. Exceto por alguns Oni-bi, tudo estava escuro naquela direção.

Eles descobriram Hoichi sentado sozinho na chuva, de frente para o memorial da tumba de Antoku Tenno, fazendo seu instrumento ressoar o canto da batalha de Dan-no-Ura. Atrás dele e em todo lugar acima das tumbas, os fogos dos mortos estavam queimando como velas. Nunca antes houve uma hoste tão grande de Oni-bi diante da vista dos mortais.

Após várias tentativas de chamá-lo, os servos se viram forçados a arrastar o pobre cego enfeitiçado de volta ao templo. Chegando em Amidaji, Hoichi foi novamente convocado pelo sacerdote, só que dessa vez se viu forçado a contar toda a verdade.

Hoichi, meu pobre amigo, você está em grande perigo! É muito inoportuno que você não tenha me contado tudo isso antes! Saiba que você não estava visitando nenhuma mansão, mas passando suas noites em um cemitério, entre as tumbas de Heike. Tudo o que você estava imaginando era uma ilusão, exceto o chamado dos mortos. Ao obedecê-los, você se colocou sob o jugo deles. Caso se submeta novamente, eles irão parti-lo em pedaços. 

Então Hoichi foi instruído de forma que não sucumbisse a tão terrível destino. Como o sacerdote tinha um compromisso que precisava de sua atenção, ele ordenou aos acólitos do templo que escrevessem textos sagrados por todo o corpo do músico. Além disso, o poeta teria que sentar na varanda durante a noite e permanecer imóvel.

Você será chamado, mas não importa o que aconteça, não responda e não se mova. Caso contrário, será partido em pedaços.

Quando a noite caiu, Hochi se sentou na varanda de acordo com as instruções do sacerdote. Colocou sua Biwa no assoalho ao seu lado e, assumindo uma postura de meditação, permaneceu quieto por horas. Algum tempo depois, ele ouviu passos se aproximando e, em seguida, escutou a mesma voz profunda do samurai, vindo diretamente da sua frente. “Hoichi!” a voz chamou, em tom imperioso. O homem cego segurou sua respiração e permaneceu sem movimento.

“Hoichi”, a voz soturna chamou por uma segunda e terceira vez, mas o músico permaneceu tão imóvel quanto as pedras do jardim. Por fim a voz queixou-se.

Sem resposta! Isso não vai servir. Tenho que ver onde esse cego se meteu.

Então, o poeta ouviu  o som pesado de passos sobre a varanda que pararam logo atrás dele. Após vários minutos, dos quais Hoichi sentiu o seu corpo todo tremer no ritmo das batidas do coração, uma voz ecoou perto dele.

Aqui está sua Biwa, mas do tocador de Biwa eu só vejo duas orelhas! Isso explica o motivo de não ter respondido, ele não tinha boca para tal. Não há nada mais dele aqui, exceto as orelhas… Agora, para o meu senhor, essas orelhas eu levarei como prova que seus comando eu obedeci dentro do possível.

Nesse instante Hoichi sentiu suas orelhas serem agarradas por dedos de ferro e arrancadas de sua cabeça. Grande foi a dor, mas nem assim o pobre poeta sucumbiu à tentação de gritar. Os pesados pés desceram da varanda para o jardim e depois para estrada fora do templo, quando desapareceram. Dos dois lados de sua cabeça, o homem cego sentiu uma quentura escorrendo, mas tampouco fez menção de ousar levantar suas mãos. 

Antes do nascer do sol, o sacerdote retornou. Ele se dirigiu apressadamente até a  varanda, escorregou em algo pegajoso e gritou de horror. Havia sangue pelo piso, mas Hoichi permanecia lá imóvel, com seus ferimentos ainda gotejando.

Meu pobre Hoichi! O que é isso? Você se feriu? 

Ao som da voz de seu amigo, o homem cego se sentiu seguro e então começou a chorar. Soluçando, contou sua desventura daquela noite.

Pobre Hoichi, tudo isso é minha culpa. Eu confiei no meu acólito para colocar os textos sagrados pelo seu corpo, mas ele esqueceu das orelhas! Bom, agora tudo o que podemos fazer é cuidar das suas feridas.

Hoichi eventualmente se recuperou de seus machucados. Sua estranha história se espalhou e fez dele famoso. Muitos nobres foram a Akamagaseki ouvi-lo recitar… Mas, desde de então, ele é conhecido somente pelo seu apelido: Miminashi-Hoichi, o Hoichi , o sem orelha.

Hoichi the Earless: A Classic Japanese Ghost Story | Bizarre and ...

Jikininki

Há muito tempo, quando Muso Kokushi, um sacerdote zen, estava viajando sozinho através da província de Mino, ele se perdeu em uma área montanhosa onde não havia ninguém para direcioná-lo. Ele caminhou por muito tempo até que, quando começou a perder as esperanças, achou uma daquelas pequenas habitações isoladas, chamadas de anjitsu, construídas para pregadores solitários.

Estava em ruínas, mas ainda assim era habitada por um velho sacerdote a quem Muso implorou permissão para que pudesse passar a noite ali. O senhor  rudemente recusou, mas indicou a Muso a direção de um vale onde um abrigo poderia ser encontrado.

Então, o andarilho encontrou seu caminho até uma pequena aldeia, que consistia em menos de 12 choupanas. Ele foi gentilmente recebido na residência do chefe da vila. Quatorze ou quinze pessoas estavam reunidas na sala principal no momento da chegada de Muso, mas ele foi indicado para um pequeno quarto separado, onde foi abastecido com cama e comida.

Muito cansado, ele dormiu profundamente, mas pouco antes da meia noite, foi acordado por um choro vindo do apartamento próximo. Em seguida, entrou em seu quarto um jovem carregando uma lanterna. Respeitosamente ele o saudou e disse:

Reverendíssimo, é meu duro dever contar-lhe que eu sou agora o cabeça responsável pela casa. Ontem eu era o filho mais velho, mas quando você veio aqui, cansado como estava, não quisemos embaraçá-lo de nenhuma forma. Além do mais, nós não contamos a você que meu pai havia morrido. As pessoas que você viu aqui são habitantes da vila, todas se reuniram aqui para prestar suas homenagens, que agora irão até outra vila. Nenhum de nós permanece nessa vila durante a noite depois que ocorre uma morte.

O homem jovem relatou ao sacerdote que era perigoso permanecer e que coisas estranhas aconteciam na casa onde um corpo era deixado, insistindo que achava melhor que Muso o acompanhasse também até a próxima aldeia. A isso, o andarilho respondeu:

Pela sua gentil intenção e generosa hospitalidade, eu sou grato. Contudo, lamento que você não tenha me dito sobre a morte de seu pai quando eu cheguei aqui. Por mais que eu estivesse cansado, certamente não estava cansado o a ponto de deixar de exercer meu dever como sacerdote. Caso tivesse me contado, eu teria praticado os ritos apropriados. Do jeito que é, devo executar o serviço depois que todos vocês forem embora. Ficarei com o corpo até a manhã. Não entendo ao que você se refere quando cita o perigo de ficar aqui a noite, mas não temo fantasmas ou demônios.

O jovem ficou aliviado ao ouvir a resposta de Muso e então todos partiram sua jornada. Após ter ficado sozinho, o sacerdote foi até o quarto em que o corpo repousava. As oferendas usuais estavam postas próximas ao corpo, com um pequeno lampião budista.

O monge começou os rituais funerários e meditou por várias horas. Não havia som na vila deserta, mas quando o silêncio da noite se encontrava no ápice, entrou sorrateiramente uma forma vaga e vasta. No mesmo instante Muso se viu incapaz de falar ou se mover . Ele viu a forma erguer o corpo com suas mãos e devorá-lo mais rápido do que um gato devora um rato. Começando pela cabeça ela comeu tudo: os cabelos, ossos e até a mortalha. A coisa monstruosa, tendo consumido o corpo, se voltou para as oferendas. Então, foi embora, tão misteriosamente quanto veio.

Jikininki | Wiki Schoolofmagic | Fandom

Quando os moradores retornaram pela manhã, encontraram o sacerdote os esperando no portão da casa do chefe da vila. Todos o cumprimentaram e, quando entraram e olharam para o quarto, ninguém expressou surpresa com o desaparecimento do corpo e das oferendas. 

Reverendíssimo, — disse o mestre da casa a Muso — o senhor provavelmente viu coisas desagradáveis durante a noite. Todos nós estamos contentes de ver você bem e sem ferimentos. Por favor conte-nos o que se passou durante a noite?

Muso contou para os aldeões os estranhos eventos que vivenciou e todos os presentes admitiram que os relatos do sacerdote iam de acordo com que os moradores daquelas bandas sabiam. Então Muso questionou:

O sacerdote nas colinas não faz os serviços funerários para os seus mortos?

Que sacerdote? — o jovem rebateu.

O sacerdote que ontem à tarde me indicou o caminho da vilarejo. Eu o encontrei em seu anjitsu na colina. Ele se recusou a me abrigar, mas me indicou o caminho até aqui.

Os moradores se entreolharam atônitos. Acontece que não havia nenhum sacerdote no anjitsu da colina há gerações. Ao saber disso, o andarilho, acreditou ter sido enganado por algum goblin. Depois de se despedir da vila e obter as informações necessárias para voltar à estrada, Muso estava determinado a dar uma nova olhada na habitação daquele morro, e assim o fez.

Ele achou o anjitsu sem dificuldade e dessa vez o ancião o convidou para entrar. O eremita humildemente se curvou para ele e exclamou:

Ah, estou envergonhado! Muito envergonhado!

Você não precisa se envergonhar por me negar abrigo. As direções que me deu foram úteis e os moradores de lá me trataram muito bem — respondeu Muso.

Eu não posso dar abrigo a nenhum homem e não é da recusa que estou envergonhado, mas por você ter me visto na minha verdadeira forma. Fui eu que devorei o corpo e as oferendas diante de seus olhos ontem à noite. Eu sou um Jikininki, um comedor de carne humana. Tenha piedade e ouça minha confissão sobre o motivo de eu ter sido reduzido a essa condição.

O Jikininki revelou a Muso que, há muito tempo, ele costumava ser um sacerdote ganancioso de uma região desolada. Por conta de seu egoísmo durante a vida, ele fora transformado, ao morrer, em um comedor de corpos e tem permanecido assim por todo esse tempo.

Por favor reverendíssimo, eu lhe imploro. Efetue um ritual segaki para mim. Ajude-me com suas orações. Eu lhe rogo, assim eu logo poderia escapar desse terrível estado de existência.

Assim que o eremita terminou sua súplica, ele desapareceu assim como sua habitação. Muso Kokushi se encontrou ajoelhado, sozinho na grama alta, ao lado de uma antiga tumba coberta de musgo que parecia ser a tumba do sacerdote ancião.

A lanterna de Peônia

Em uma noite escura, o samurai Ogiwara avistou uma mulher elegante carregando uma lanterna de peônia, vagando pelas ruas de Edo, atual Tóquio. Para Ogiwara, foi amor à primeira vista, e ele convidou a mulher, Otsuyu, para acompanhá -lo até em casa, onde riram, conversaram e aproveitaram a companhia um do outro. Otsuyu permaneceu lá até depois da lua ter se posto e a luz da lanterna ter enfraquecido. A bela dama se despediu do galante samurai e o deixou no raiar da manhã.

The Peony lantern and the ghost of the courtesan Otsuyu — Calisphere

Para a sorte de Ogiwara, a bela mulher retornou na noite seguinte. O samurai perdeu o interesse em qualquer um que não fosse ela. Não deixava mais sua casa e parou de se cuidar. Noite após noite, a dama com a lanterna de peônia aparecia, os dois faziam amor e ela ia embora antes do amanhecer.

Mais de vinte dias se passaram e os vizinhos do recluso samurai começaram a desconfiar que algo estava errado. Ao lado de Ogiwara vivia um sábio ancião. Em uma noite, ouvindo uma estranha risada vindo do jardim ao seu lado, o vizinho do samurai resolveu olhar por sobre o muro. Entretanto, ao invés de uma bela mulher, o ancião viu Ogiwara se entrelaçado com um esqueleto. Quando o samurai falava, o esqueleto balançava a cabeça e movia os braços e pernas. Quando a mandíbula do esqueleto se abriu, fez -se ouvir uma voz assombrada. O ancião estava apavorado.

Assim que o sol nasceu, o velho chamou por Ogiwara e avisou ao samurai que a mulher que amava era na verdade um fantasma, pedindo para que ele fosse ao um templo de uma vez. Ogiwara acatou o pedido e, chegando lá, encontrou uma sepultura com uma velha e empoeirada lanterna de peônia pendurada em cima. O sacerdote advertiu que o samurai deveria resistir a Otsuyu e, para pendurar em sua casa, deu-lhe um amuleto mágico que o manteria a salvo do fantasma. O amuleto funcionou perfeitamente e a assombração nunca mais visitou a residência de Ogiwara.

Embora ele estivesse a salvo, uma grande depressão se abateu sobre o pobre samurai, que sentia uma falta profunda de Otsuyo. Uma noite, dias depois da última visita do fantasma, Ogiwara ficou bêbado e foi até o portão do templo onde ele descobriu a sepultura de sua amada. O fantasma da bela mulher apareceu novamente para ele, nos portões do templo, e dessa vez foi ela que o levou para sua morada. Algum tempo depois, quando o Ogiwara foi dado como desaparecido, o sacerdote abriu o caixão de Otsuyo e se deparou com o seu corpo entrelaçado ao esqueleto da mulher da lanterna de peônia. 

Referencias 

Revisão: João Pedro Boaventura


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